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Entrevista de Harriet Friedmann

Harriet Friedmann: A indústria alimentícia quer vender a solução de um problema que ela mesma criou

“O sistema agroalimentar oferece alimentos de baixa qualidade nutricional, com excesso de sal, açúcar e gorduras, e depois quer nos vender cálcio, ferro e outros micronutrientes em forma de pílulas. Eles produzem o problema e também querem nos vender a soluçãoâ€.

A afirmação é da pesquisadora em sistemas alimentares Harriet Friedmann. Professora emérita da Universidade de Toronto, no Canadá, ela realizou, nesta quarta-feira (8), a palestra de abertura do Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, realizado em Curitiba (PR).

Na entrevista abaixo, Harrie, que atuou durante 25 anos no Conselho de Política Alimentar da cidade de Toronto, falou sobre transgênicos, agrotóxicos, desperdício de alimentos e sobre a importância da atuação da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.

“Se eu fosse a rainha do mundo, proibiria toda forma de propaganda dirigida às criançasâ€, diz ela ao comentar sobre a influência que a publicidade exerce na formação dos hábitos de consumo das crianças. “Não há como competir com o poder da propaganda da indústria alimentícia. Não existe propaganda de cenouraâ€.

Monocultura

O sistema alimentar se deslocou da uma base de diversificação de produção para apenas três ou quatro produtos. Boa parte desses produtos, principalmente milho e soja, serve para alimentar animais ou virar biocombustível. O resultado disso é a escassez de oferta de frutas e vegetais, o que faz com que o preço desses alimentos não pare de aumentar, dificultando o consumo desses produtos pelas pessoas mais pobres. Os supermercados se organizam em redes globais, em cadeias internacionais. O cultivo e distribuição da manga, por exemplo, foi todo padronizado para atender às necessidades das grandes corporações. No México, isso está acontecendo com o abacate. Uma lavoura mista, diversificada, composta de feijão, abóbora e milho, pode também contribuir tanto para a proteção do solo como para a gestão eficiente dos recursos hídricos.

Transgênicos e agrotóxicos

Os transgênicos não resolveram nem resolverão o problema da fome no mundo. O discurso do agronegócios é que sem os transgênicos será impossível alimentar a população mundial. Mas como eles chegaram a essa conclusão? A primeira regra da propaganda é a repetição, para que as pessoas se fixem nos números. Esse discurso da repetição foi incorporado pelos governos. Em relação aos agrotóxicos, é possível que o estrago que já foi feito no solo e na água dos rios não seja mais recuperável. E não é só a questão dos pesticidas e herbicidas. O uso dos fertilizantes também está contaminando a água. O excesso de nitrogênio despejado nos rios está contaminando a fauna aquática. Um exemplo disso está no Golfo do México, onde o rio Mississipi virou uma zona morta.

Fome e obesidade

O sistema agroalimentar linear conseguiu, em uma geração apenas, provocar esse paradoxo de pessoas que passam fome enquanto outras estão obesas. É por isso que falamos não só de segurança alimentar como também de segurança nutricional. O sistema agroalimentar oferece alimentos de baixa qualidade nutricional, com excesso de sal, açúcar e gorduras, e depois quer nos vender cálcio, ferro e micronutrientes em forma de pílulas. Ou seja, eles produzem o problema e depois querem nos vender a solução. As pessoas estão comendo o que a propaganda diz que é para comer. Falta educação formal para que o consumidor possa avaliar o que é um alimento bom e o que é um alimento que faz mal à saúde. Até mesmo alguns dos meus alunos me questionam: “Mas as grandes empresas não iriam nos vender o que faz mal para a gente!â€

Publicidade

Não temos como competir com o poder da propaganda da indústria alimentícias, das grandes corporações. Não existe propaganda de cenoura. Se eu fosse a rainha do mundo, proibiria toda forma de publicidade dirigida às crianças, principalmente a propaganda de alimentos industrializados.

Hábito alimentar

A ideia de se alimentar deve envolver aspectos sociais, de convivência, e não somente de ingerir alimentos. Não é apenas uma questão biológica mas também de qualidade de vida social. Nos Estados Unidos, as pessoas comem sozinhas, sem a companhia de outras pessoas. Essa é uma parte do problema da alimentação incorreta, assim como dos casos crescentes de sobrepeso e de obesidade que estamos observando.

Desperdício de alimentos

No Canadá, os alimentos inapropriados para o consumo humano são usados para a geração de energia. Mas para isso é necessária uma alta tecnologia industrial. Agora sobre transformar alimentos próximos do vencimento em compostos alimentares, como foi proposto no Brasil, a minha opinião é que não pode haver nenhuma diferença entre a forma de alimento dos ricos e dos pobres.

Rede de pesquisa

É sensacional essa ideia da Rede de Pesquisadores em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Isso leva à prática da solidariedade na busca de iniciativas e soluções. Os governos não nos levarão a lugar nenhum. É a sociedade civil, os movimentos de igualdade racial, de equidade de gênero, da agroecologia que nos trazem a esperança de uma sociedade mais justa.

Entrevista: Francicarlos Diniz

Fonte: Ascom/Consea

 

Universidade Federal do Paraná
Grupo de Estudos em Agricultura e Sistemas Agroalimentares

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CEP: 80210-170 - Jardim Botânico - Curitiba (PR) - Brasil | Curitiba |
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